sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

E eu sou! Desde sempre, até onde morar a eterna idade.




E cá estou com meio século e mais anos! Olho no espelho a mulher que sou e vejo que, desde o nascimento, eu envelheço sem perder o viço. Entendo, então, o que significa verdadeiramente amadurecer: amar, sim; ser dura, não. Nem rude ou amarga, tampouco intolerante. Reconheço minhas dores e as acolho para curá-las de vez. Eu as curo quando me entrego a elas sem medo nem desgosto, por confiança de que elas não são insolúveis, e por saber que estiveram em mim para me lapidar a alma, para me fazer aprender o que ainda não sabia. Preservei o prazer de viver, não obstante as dificuldades, o lado torto da existência, aquilo tudo que poderia ter me feito desistir de sonhos e de buscas. Perdi algumas coisas e muitas pessoas, mas agora sei que não poderia reter alguém comigo se meu destino é de vôo, e eu, que pousei sozinha neste plano, vinda do ventre da vida, voltarei ao colo da Mãe sem ter ninguém ao meu lado. Sou irmã íntima da solitude, que nem sempre compreendi, várias vezes rechacei e por ela muito sofri.

Ao transpor o portal do tempo, rumo à outra metade do século, eu me sei mais sozinha do que jamais soube ser. A diferença é que agora eu entendo o processo delicado da existência, que muda caminhos e os faz conforme o que é melhor para nós, e assim é, mesmo quando não compreendemos. Não estou mais sozinha do que outras mulheres, que vivem com par, que eu não tenho. A minha solidão é intrínseca, faz parte de mim. Eu me sei pessoa que toca a mão, mas não gruda nela. O que cola é o meu coração no coração do outro, mesmo quando ele se vai ou quando eu parto sozinha.

Meus filhos vieram de mim, mas não são meus pertences. Nem os meus bichos. E assim também as minhas vitórias e minhas perdas que foram muitas. São fugazes, mas a tristeza que houver também o será. Isso poderia ser um consolo, mas é consciência da impermanência de tudo que é deste mundo. Sou apenas (e toda) alma. Não sou as vestes nem o alimento do meu corpo; sou o que vivi, e essa é toda a minha bagagem, que ora pesa, ora se faz leve como pluma ao vento. Sou tão-somente o que sou no mais profundo da minha essência humana, que mistura profano com o que é divino. Sou pedra que vento não move; água que nada detém, fogo que não pode ser contido, terra que ninguém destrói. Sou apenas a essência do meu ser, tudo isso e nada mais. Nisso não sou diferente de qualquer pessoa, apenas eu já compreendi.

Não sou os meus amigos nem os amores que tive. Não sou o amor perdido, que ainda me dói, sou a energia amorosa, que não foi embora com quem me deixou. Não sou a mais bela dentre as mulheres, mas cultivo a beleza do sagrado ser feminino, vindo de eras imemoriais, que poucos alcançam. Sou filha do ventre da minha mãe em encontro com a semente de vida do meu pai, mas não pertenço apenas à família de onde vim. Faço parte do todo do universo e de tudo o que em torno está. Admito, sem reservas, me sentir sozinha quando recosto a cabeça para dormir e não encontro rosto ao lado do meu; e presença, e que meu peito, não raro, fica oprimido de tanta saudade .

Mas, a vida está aqui, agora, já, neste momento em que exercito a magia de viver e agito o grande caldeirão de emoções para dele extrair a poção que me rejuvenesce todos os dias: a alegria de viver tudo o que há! A vida é breve não porque descontamos os dias desde que nascemos, mas porque não temos tempo para viver tudo o que sonhamos. Sonhar é bom porque lançamos olhar ao que ainda está por vir (e queremos que venha), mas não há nada melhor do que saber que este é o dia mais feliz, e que se tornará inesquecível por ser único, nem tanto por ser belo. Essa é uma vantagem da maturidade, a consciência da finitude. Quando somos muito jovens, temos não a impressão, mas a certeza do ilimitado de tudo, por isso não valorizamos cada minuto, como fazemos depois. E, à medida que o tempo passa, mais sei que tudo tem começo, meio e fim, mas percebo que isso não impede a eternidade.

Ficamos, homens e mulheres, mais velhos todos os dias, apenas não admitimos isso porque parece defeito, quando, em realidade, é a grande bênção da vida! A vida é longa para quem não deixa vaguearem os dias no calendário para serem datas esquecidas depois. Hoje é mais um dia para ser feliz, é o que digo todas as manhãs, quando acordo, enamorada pelo existir. Sozinha, sim, mas ainda assim feliz. Teimosamente feliz, apesar da minha solidão, que não é nova, é ancestral. É antiga, desde que eu vim. E eterna, quando eu partir com a alma lotada de vida que eu não perdi por ter gravado no coração uma meta de todos os dias: urge ser feliz! E eu sou! Desde sempre, até onde morar a eterna idade.
bj

Um comentário:

  1. achei esse texto muito bonito e quiz aqui postar ,e compartilhar com todos que aqui passar bj

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